Têm sido publicados recentemente em italiano vários livros
enumerando as aparições de Nossa Senhora. Não os tinha consultado, mas numa
recente visita a Roma aproveitei a oportunidade para fazê-lo, e fiquei
surpreso: numa época houve numerosas aparições, noutra eram muito raras; numa
época a Virgem aparecia a certa categoria de pessoas, noutra a outra categoria
completamente diferente; no século XX houve importantíssimas e comprovadas
aparições (por exemplo, Fátima, Lourdes), mas também uma espécie de “inflação”
de aparições falsas, como que indicando a permissão dada ao demônio para
confundir as almas, em castigo por nossos pecados.
Sob certo ponto de vista, o mais interessante era ver como as
aparições iam sempre ao encontro das necessidades mais prementes da Igreja no
momento. Assim, na época da conquista e conversão da América registram-se
várias aparições da Virgem aos índios, ajudando desta forma no apostolado que
realizavam os missionários para catequizá-los, batizá-los e civilizá-los. Mas
nunca ouvi falar de aparições da Virgem a certos “neomissionários” de hoje,
empenhados em que os índios fiquem sem batismo e no estado de barbárie...
No século XIX houve várias aparições da Virgem aos santos
fundadores de congregações religiosas, que tanto ajudaram na expansão mundial
do catolicismo, sem contar o ciclo de aparições ligadas à difusão da devoção
mariana, como a da medalha milagrosa, Lourdes etc. Veio-me a curiosidade de
analisar mais detalhadamente um ponto: como foram as primeiras aparições da
Santa Mãe de Deus?
Os santos, esses privilegiados
A
conversão da Espanha ao catolicismo foi bem mais difícil do que se imagina. O
Apóstolo Santiago esforçava-se e sofria para converter aqueles pagãos
endurecidos. Nossa Senhora ainda vivia, e para encorajar o provado Apóstolo,
Ela lhe apareceu sobre um pilar na cidade de Cesaraugusta (hoje Zaragoza),
dizendo-lhe que no futuro a fé daqueles povos seria profunda e séria. Muito
consolado, o Apóstolo continuou seu árduo trabalho, resultando que hoje uma
parte considerável da Igreja Católica reza em espanhol. E Nossa Senhora do
Pilar é a Padroeira da Espanha. No rigor da linguagem teológica, esta não foi
uma aparição, mas uma bilocação (estar em dois locais ao mesmo tempo), pois Nossa
Senhora ainda estava nesta Terra. Mas a seguinte pode ser considerada a
primeira aparição da História, no sentido próprio do termo.
Nossa Senhora do | Pilar |
Estavam os Apóstolos reunidos na cidade de Éfeso, atual costa da
Turquia, mas que nessa época era uma cidade grega. Imploravam eles o auxílio da
Santíssima Virgem nas diversas dificuldades da nascente Igreja, quando a Mãe de
Deus lhes apareceu, cheia de luz, e lhes prometeu que jamais os abandonaria.
Esta aparição não deixa de ter um simbolismo muito bonito, pois Nossa Senhora
apareceu aos Apóstolos em seu conjunto, como representação da Hierarquia da
Igreja, e lhes prometeu sua permanente ajuda. Auxílio que Ela irá demonstrando
constantemente ao longo da História.
(Fig: Aparição de Nª Sª do Pilar a São Tiago e seus discípulos - Goya, 179)
A seguinte aparição, a que agora nos referiremos, parece proposital
para ensinar os caminhos de Deus aos que pensam que a Igreja, em sua história,
só apresenta progressos espetaculares, brilhantes, de efeito imediato. Pelo
contrário, esta aparição não podia crescer de modo mais humilde. Por volta do
ano 70, vivia em Le Puy, na atual França, certa mulher convertida havia pouco à
verdadeira Religião. Estava gravemente doente, mas após ter visto a Virgem
Santíssima ficou curada e construiu no local das aparições uma pequena capela.
Ali foram se registrando com o passar do tempo outros milagres, que
contribuíram para a sua popularidade. Entretanto, só muito lentamente as
peregrinações foram surgindo. A igreja edificada no século XIX no local da
antiga capela é ainda um centro de peregrinações. Os bispos locais aceitaram
tal devoção, que se impôs mais pela perseverança ao longo dos séculos do que
por milagres espetaculares ou revelações retumbantes. Assim ocorrem muitas
coisas na Igreja: um pequeno trabalho de todos os dias, do qual não se vê o
fruto imediato, mas que vence pela perseverança e acaba alcançando êxito e um
grande bem.
Aparições e lutas doutrinárias
Na seguinte aparição, Nossa Senhora e São João Evangelista
apresentam-se a São Gregório Taumaturgo (já comentada com detalhes nesta
revista, em abril/2003: “Uma aparição mariana no século IV”). Ela apresenta uma
característica, que se repete nas seguintes: havia cessado a era das
perseguições e martírios, e o demônio, que não conseguira destruir a Igreja
pelas vias violentas, queria destruí-la por meio das heresias.
Santuário de Nossa Senhora de Puy, na França |
Hoje, o conjunto de ensinamentos da Igreja — lógicos, sólidos,
conseqüentes e admiráveis — parece-nos a coisa mais normal do mundo. Mas, para
chegar até isto, foram indispensáveis, sob a divina inspiração do Espírito
Santo, muito esforço, intensas polêmicas e pertinaz estudo. Por exemplo, foram
necessários 10 séculos para que a realidade dos sacramentos instituídos por
Nosso Senhor pudesse ser doutrinariamente expressa por uma definição clara e
precisa. Por aí pode-se medir quanta oração foi necessária, quanto trabalho e
esforço empregado para exprimir essa admirável catedral de doutrinas, muitas
delas apenas implícitas nos Evangelhos e na Tradição. Não deve causar
estranheza, pois, o fato de o demônio desejar introduzir pedras falsas nas
fundações doutrinárias – é o caso das heresias – a fim de tentar derrubar todo
o magnífico prédio doutrinal da Igreja de Jesus Cristo.
Para defender a Igreja, Nossa Senhora aparece aos bispos,
sucessores dos Apóstolos, em cumprimento de sua promessa de que jamais os abandonaria.
Assim, estão registradas duas aparições a São Nicolau, Bispo de Mira. A
primeira, quando ele foi nomeado bispo; a segunda, logo após o Concílio de
Nicéia. São Nicolau (o famoso bispo que celebramos no Natal, pela sua admirável
caridade) foi um dos grandes defensores da doutrina católica sobre a natureza
divina de Nosso Senhor.
A História registra, quarenta anos após estas, uma aparição da
Virgem a São Basílio de Cesaréia, grande defensor da doutrina sobre a Trindade
Divina. Aproximadamente no ano 370, Ela apareceu várias vezes a São Martinho,
Bispo de Tours, empenhado na formação dos futuros bispos santos que iriam mudar
a França profundamente.
Hoje em dia muitas pessoas têm dificuldade em medir a importância
doutrinária ligada a tais aparições. A filosofia e a teologia parecem-lhes
ciências “aéreas”, que se ocupam de problemas nas nuvens, sem conseqüência
prática na vida de todos os dias. Nada mais distante da realidade.
A Igreja esforçava-se para apresentar, com clareza e precisão, a
verdadeira doutrina do Evangelho sobre a natureza de Nosso Senhor Jesus Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem. O demônio empenhava-se em mostrá-lo apenas
como homem (e nesse caso, a Igreja Católica não teria uma origem divina) ou só
como Deus, com um corpo apenas aparente (o que esvaziaria o sentido da Redenção
e O tornaria inimitável pelos homens).
Como vemos, naquela época como hoje (basta pensar em Fátima) as
aparições de Nossa Senhora estão profundamente ligadas ao núcleo da luta entre
o bem e o mal.
E-mail do autor: valdisgrinsteins@catolicismo.com.b
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