Para escrever esse texto eu parto
de um princípio pressuposto, a começar pela palavra entender, que trago no
título desse texto no verbo contínuo ou no popular gerúndio, pra ficar mais claro
e entendível. A palavra entender, como boa parte das palavras do português vem
de uma junção de prefixo e sufixo do latim ou grego; nesse caso aqui a palavra
vem do grego “in” (prefixo), que quer
dizer interno, interior, ou flexão do verbo entrar no infinitivo; adicionado ao que se aproxima da
expressão “tendeare” (sufixo), que em suma quer dizer tenda ou acampamento. Logo entender
significaria em sua essência entrar na tenda do outro. Eu só compreendo a
realidade do outro se eu faço o esforço de entrar em sua tenda, pra no mínimo
enxerga-lo mais de perto e vê-lo em sua totalidade. O problema é que muitas
vezes se confunde entrar na tenda, entender, com “comungar com o outro”, que nesse caso seria outra raiz semântica
ligada ao verbo “comer”, comungar ou
concordar plenamente com suas ideias, opiniões ou posicionamentos. E não se
trata disso o nosso texto!
No que tange ao campo das ideias
e opiniões, se as faço descuidadamente eu no mínimo corro sério risco de fazer pré-julgamentos
errados, injustos e/ou até, na melhor das hipóteses, me colocando numa condição
de ser ridicularizado a público (no caso de falar abobrinhas), tendo uma resposta
à altura ou mais bem elaborada. Isso não serve somente para esse caso, mas em
qualquer situação de nossas vidas que requererem de nós um posicionamento
frente à uma realidade.
Pois bem, quanto aos grupos
tradicionalistas católicos (conclavistas ou não, sevacantistas ou não,
Lefebvristas ou não, ou ante-vaticanistas e outros) que na atualidade têm emergido
em nossas paróquias, dioceses e comunidades eclesiais de base, e comunidades
virtuais e blogs mundo a fora que pretendo analisar neste contexto, uma coisa é
verdade, se não tentar entende-los melhor para discorrer algum tipo de opinião,
orientação, seja contrária ou a favor, saibam, eles viram com toda “fúria dos mártires”,
armados até os dentes com o catecismo (não o atual de São João Paulo II, mas o
Catecismo de São Pio X... só esse que vale, pra eles) e com os documentos dos
papas (não dos atuais, mas os dos papas anteriores ao Papa Paulo VI, sobretudo
o Concílio de Trento, só esses que valem, pra eles).
Mas vejam bem, ha quase 05 anos
tenho tentado entender o pensamento e os posicionamentos apologéticos desses
grupos, e muito mais do que entendê-los pra ter uma resposta na ponta da
língua, eu busco entende-los de fato para tentar ajudar em algo frente ao
impasse, pois vão por mim, isso não é um problema pequeno a ser ignorado, é de
fato um problema para a Igreja e não adianta fecharmos os olhos, se todos nós
somos igreja do mesmo Cristo que afirmou certa feita “que não se perca nenhum
desses pequeninos” (Mt 18,14), logo, seria uma fatalidade ignorá-los afim de
que se percam. Como Igreja que somos, devemos sempre colaborar com a sua unidade,
e quando dizemos aqui unidade, não entendam uniformidade, a Igreja e nem os
papas não querem que sejamos uniformes, a meu ver a diversidade católica é
saudável quando as divergências dos pensamentos transitam pelas vias da verdade
de Cristo, e nunca pela prepotência de nossas certezas individuais, aqui é
pertinente citar o Código de Direito Canônico, onde retrata o dever do
apostolado leigo para labutar pela unidade e para que a salvação seja
conhecida,
“premente naquelas circunstancias em que
somente por meio deles (os leigos) os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer
a Cristo.” (Cân. 225 § 1.).
Em todo esse tempo, tenho feito o
exercício do dialogo, na experiência de entrar na tenda, afinal de contas,
tenho alguns bons amigos que, persuadidos pela ânsia do conhecimento acima de
tudo, acabaram por debandarem por esse caminho e mudaram totalmente seu
comportamento para com os que os rodeavam e até mesmo familiares por causa de
suas novíssimas convicções. Tenho pesquisado muito, feito trocas de opiniões e
às vezes debates, (nunca fujo a eles), não somente com os que estão no
território de nossa diocese, mas através do nosso Blog Cantina Literária, tenho
me correspondido com adeptos a esses grupos de várias partes do Brasil, muitos
deles até me consideram como um dos seus, mas por esses dias tenho preferido optar
por uma atitude mais centrada no silêncio e na oração de súplica ardente ao
Espirito Santo, por perceber que infelizmente não é só mais uma onda de
modismo, mas é um cisma sério bem no seio da Igreja, porem, basta conhecer um
pouco da história da Igreja para percebermos que o auxilio do Espirito Santo, nunca
nos faltou em tempos de desacordos e de maneira nenhuma não será agora que nos
faltará.
Como dissemos acima, eles estão
sempre prontos com os documentos da Igreja e o Código de Direito Canônico nas
mãos, sabem as citações praticamente de “cor e soltiado” como dizia minha vó,
eles afirmam verdades com uma certeza invejável até para os papas, citam o documento
tal para isso e o documento tal para aquilo, e o santo tal para aquilo’utro mas
quando alguém os faz lembrar as palavras de Jesus nos evangelhos, talvez para
tentar amenizar o peso das condenações de seus repertórios discursivos,
partindo das palavras do Cristo, que disse inúmeras vezes “Eu não vim para
condenar o mundo” (Jo 3, 17), eles logo vêm exortando, seja através de links ou
parafraseando a cerca do Decreto da
Sessão IV, no parágrafo 786 do Concílio de Trento que condena a livre
interpretação das Escrituras, “- Isso não pode!!! Você não tem autoridade para
interpretar livremente a palavra de Deus!” - Dizem eles, com tons cada vez mais
exortativos - E de fato, não é mentira, o decreto existe e não podemos
ignorá-lo, a Igreja Católica realmente vê com muita cautela sobre a livre consulta
da bíblia sem levar em consideração os outros dois pilares, o Sagrado
Magistério e a Sagrada Tradição, ou seja em suma, é o aval da Santa Igreja que
testifica a Verdade e é ela a quem “compete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretação
das Sagradas Escrituras”,
para o processo de compreensão da vontade de Deus para o homem impedindo assim,
interpretações errôneas, descontextualizadas, particulares e fundamentalistas
da Bíblia.
Mas, cá pra nós! Essa verdade
também não valeria para o Sagrado Magistério? Partindo dessa fundamentação, será
que qualquer um poderia interpretar o Sagrado Magistério ao seu bel prazer,
para justificar seus posicionamentos? Seria permitida a livre consulta do
Magistério e da Tradição sem levar em consideração as Escrituras? O próprio Concílio Vaticano II, rejeitado por
quase todos esses grupos tradicionalistas, no Documento Dei Verbum afirma que a Sagrada Tradição, e em
consequência o Sagrado Magistério tem o mesmo peso de revelação das Sagradas
Escrituras, logo, essa mesma norma, da livre interpretação seria também válida
para aqueles que usam o Sagrado Magistério como escudo ou espada a serem usadas
em debates.
Ainda sobre o Concílio de Trento, vale lembrar que a
proibição não está simplesmente em ler individual e devotamente a Sagrada
Bíblia, e por consequência o Sagrado Magistério e a Sagrada Tradição, buscando
um direcionamento no caminho da santidade. A Palavra de Deus é, diz o
Magistério de Trento “fonte de toda a
verdade salutar e disciplina dos costumes e deve ser ensinada à toda a
criatura” (§783). Vejamos um trecho na íntegra do parágrafo §786 quando
fala sobre o perigo da livre interpretação,
“Ademais, para
refrear as mentalidades petulantes, decreta que ninguém, fundado na perspicácia
própria, em coisas de fé e costumes necessárias à estrutura da doutrina cristã,
torcendo a seu talante a Sagrada Escritura, ouse interpretar a mesma Sagrada
Escritura contra aquele sentido, que [sempre] manteve e mantém a Santa
Madre Igreja, a quem compete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretação
das Sagradas Escrituras, ou também [ouse interpretá-la] contra o unânime
consenso dos Padres, ainda que as interpretações em tempo algum venham a ser publicadas.”
(CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO, Seção IV, paragrafo 786 – 1545 – 1563)
No texto citado acima, vale
chamar a atenção para o conector que eu livremente grifei, “contra aquele sentido”, ou seja, a
proibição é para uma interpretação maliciosa no que tange a algo relacionado a “fé e costumes” ligados à estrutura
doutrinal da fé cristã, que tenha a inclinação à desdizer algo que anteriormente
fora dito, desmentir aquele sentido que sempre manteve e mantem a Santa Igreja,
em outras palavras esses três pilares devem ser observados um em sintonia com o
outro, um nunca pode desmentir o outro e vice e versa.
Também nos ajuda na compreensão
do que disse o Concílio de Trento,
se levarmos em consideração que o mesmo ocorreu no período Pós Reforma Protestante,
durou cerca de 18 anos e fora guiado por 06 papas, pelos santíssimos papas Paulo III, Júlio III, Paulo IV, Pio V, Gregório XIII e Sisto V.
Os teólogos convocados para a reunião conciliar, tinham como papel fundamental auxiliar
a Igreja e o Papa através de suas análises, para resguardar o depósito da fé
que era ameaçada pelo novo movimento religioso, e o papa por sua vez, faz uso
de sua autoridade de exortar o povo de Deus “contra os inovadores do século XVI”, aprovando os decretos e os
divulgando para os bispos do mundo inteiro daquela época. Lembrando mais uma
vez que o mesmo teor exortativo deve valer não somente para as Escrituras, mas qualquer
leitura “maliciosa e tendenciosa de
mentalidades petulantes” também do Magistério, para defender a sua própria
verdade.
É comum vê-los e ouví-los esbravejarem
contra o atual Papa emérito Bento XVI,
sobretudo os mais radicais, dizem ser o teólogo
Joseph Ratzinger o culpado pelo que consideram ser a “catástrofe conciliar”
sendo ele, na época um dos mais importantes teólogos assistentes do Concílio
Vaticano II, também colocam nas costas de Ratzinger a acusação de ambiguidade
no Decreto Dominus Iesus sobre o
famigerado diálogo Inter-religioso e ecumenismo, mas quando são questionados a
cerca de se celebrar missas no Rito tridentino, e muitas vezes de forma
clandestina, diga-se de passagem, eles não titubeiam em citar o Motu Próprio Summorum Pontificum do
então Papa Bento XVI que segundo afirmam, os autoriza a tal prática.
É claro que eu não louco de dizer
que a Missa Tridentina não teria valia, como reprovar uma prática litúrgica que
prevaleceu há mais de 400 anos na Igreja e ainda é celebrada em alguns lugares,
como mosteiros, casa religiosas e etc? Claro que eu em sã consciência não faria
isso, mas também considero loucos aqueles que pensam que só a Missa no rito
Tridentino é que tem valia. Eu até tenho uma certa preferencia pessoal pelas
missas celebradas parciais ou completamente em latim, há muita beleza e riqueza
litúrgica e por que não dizer histórica no rito, mas concordo com pensadores
como padre Paulo Ricardo que dizem, há mais beleza artística do que eficácia
pastoral uma missa celebrada toda em Latim.
Com base no mesmo tipo
argumentativo de reter apenas o que convém, o fazem, quando para defender os esforços
de Marcel Lefebvre e o canonizarem como o mentor da chamada resistência, citam
a Carta de Bento XVI endereçada à remissão da excomunhão do Arcebispo
juntamente com os quatro outros bispos ordenados por ele “de forma válida porem ilegítima” como afirma o próprio documento, ou
seja, uma hora lhes convém o magistério papal de Bento XVI para justificar suas
práticas, outrora, quando não lhes convêm, o mesmo é refutado e contestado, não
seria no mínimo incoerente? Sem contar que, a meu ver, contestar as
contribuições de um teólogo brilhante como Joseph Ratzinger, um Papa que
conduziu com braço forte a Igreja no pior momento da crise, deu uma prova de
humildade e temperança ao renunciar para o bem maior da Igreja mesmo tendo
dimensão de todas as difamações e más interpretações que poderiam vir, um homem
que já em vida demostra claramente sinais fortes de santidade, tal contestação
além de presunçosa beira a loucura.
Também não é muito difícil vê-los
e ouvi-los discorrer presunçosamente sobre o Concílio Vaticano II, e para pô-lo ao descrédito, e com pressa
lançar no inferno todos os que estão unidos a ele e o consideram parte
importante do Magistério atual. E para o fazerem com a liberdade de não estarem
cometendo heresia, tratam logo de deixar claro que o CVII não é um concílio
Dogmático, logo pode ser debatido e até rejeitado, pra isso se valem das
palavras do Papa João XXIII no seu
discurso de abertura do Concílio no dia 11 de Outubro de 1962, que afirmou
de forma bem clara não ser infalível e dogmático, mas e sim um Concílio prevalentemente pastoral ( e
detalhe, xigam, brigam e reprovam várias ações de João XXII, mas suas palavras
pra dizer que é um concílio pastoral e não dogmático vale né?).
“Será
preciso atribuir muita importância a esta forma e, se necessário, insistir com
paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a maneira de apresentar as
coisas que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é prevalentemente pastoral” (João XXIII, Discurso
de Abertura do Vaticano II, VI- 4 e 5).
Ora vejam só, o fato de ser um
Concilio pastoral não nos dá o direito de difamá-lo, pelo contrário é um
documento que mesmo não sendo essencialmente dogmático, faz parte das riquezas do
Magistério da Igreja Universal, cinquenta anos após, a Igreja tem se debruçado
em seus textos, decretos e conclusões, ao convite do próprio Bento XVI para
mergulharmos em suas riquezas e adaptações na realidade e nos desafios da
Igreja hoje. Acreditar que o Concílio Vaticano II fora uma catástrofe como o
fazem, é pecar contra a Santidade da Igreja e contra a santidade do Espirito Santo
que convocou o concílio para corresponder as necessidades próprias do nosso
tempo. Se em Concílio de Trento fez-se uso de tais linguagens para um contexto
desafiador daqueles em que propunham “inovações” reformadoras da fé católica
como se afirmou no texto acima, no Concílio Vaticano II fez-se uso de uma outra
linguagem para corresponder a um desafio próprio desse tempo, se outrora a
correspondência era contra “inovações dentro da fé”, no CVII a correspondência
era contra o relativismo religioso que visava a destruição e o desaparecimento dessa
fé, o homem que ameaçava trocar a fé transcendente pelo conhecimento
tecnológico. O Concílio Vaticano II trouxe uma nova vida para a fé católica.
É claro que, eu como um gramático
e ao mesmo tempo estudioso do Magistério, não posso negar que nos textos
conciliares não tenham algum problema de ambiguidade linguística sobre alguma
questão ou outra, alguns estudiosos já reconheceram isso, e senão o fosse não
teríamos tantas discursões ao seu redor, a questão seria unanime, mas para isso
há diversos peritos e teólogos labutando para trazer a tona o “verdadeiro espirito do Concílio Vaticano II” como disse Bento XVI em
diversas vezes. Aceitando a hipótese dessa tão pouca importância e irrelevância
como querem que seja, do Concílio Vaticano II, uma pergunta as vezes paira em
meu pobre aparelho cardiovascular, se ele não tem tanta importância e é
irrelevante por ser somente pastoral e não doutrinal, porque então esses grupos
gastam tantos neurônios para refutá-lo? Basta visitar os sites e blogs ligados
a esses grupos e verão que a maior parte desse rompimento com a Igreja é justificado
devido à Roma considerar os ensinamentos do CVII são parte integrante dos tesouros
dos ensinamentos da Igreja e do Magistério ao longo de toda a história.
Mas finalizo meu texto com aquelas palavras do
evangelista que me causam calafrios nas vias crucis de todas as semanas santas,
“Depois de o haverem crucificado, dividiram suas
vestes entre si, tirando a sorte. Cumpriu-se assim a profecia do profeta:
Repartiram entre si minhas vestes e sobre meu manto lançaram a sorte!” Mt 27,
35. O catolicismo sempre fora testemunha de unidade institucional para o mundo
e as para todas as outras religiões, e temo que essa unidade esteja abalada
profundamente em nossos dias, a própria palavra “católico” vem da expressão
grega καθολικος (katholikos como se lê) que significa
universal, em outras palavras a igreja é una, (e não uniforme como dito) uma
única Igreja para o mundo. Diferente do protestantismo por exemplo, que se
divide em várias expressões de fé, conforme os seus fundadores. Precisamos rezar
incansavelmente pela unidade da Igreja, muito mais urgente que o famigerado
ecumenismo entre as igrejas.
Lefebvristas são fanáticos religiosos fundamentalistas perigosíssimos! Eles possuem a mesma índole de grupos terroristas como o Estado Islâmico e como tal deveriam ser extirpados e aniquilados
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