Celebramos nesse final de semana
a festa de pentecostes, liturgia que nos remete aos cinquenta dias após a
ressurreição de Cristo. Uma festa tradicionalmente judaica que no cristianismo
ganha uma releitura numa nova e mais profunda característica religiosa. O que
outrora era a festa da colheita “dos cinquenta” passa a exemplificar o
surgimento da Igreja ao mundo conhecido na época. O Espirito Santo que se
manifesta na vida dos discípulos e se torna inteligível a todos os ouvintes
apesar das dificuldades do idioma e dos limites culturais da época.
É tradicionalmente celebrado
nesse dia o aniversário da Igreja católica, pois, estando os discípulos de portas
fechadas por dois motivos, trancados com medo da repressão dos judeus por serem
apóstolos daquele que haviam crucificado, e trancados em oração por ordem do
próprio Cristo ressuscitado que havia lhes ordenado que permanecessem em
Jerusalém, unidos em oração até que se cumprisse a promessa do envio do
paráclito. De repente o Espirito impetuoso adentrou a sala e lhes encheu com a
sua força, com o fogo que reanima e os deu coragem para prosseguir a caminhada
na história. O trabalho dos discípulos a partir daí ganha notoriedade entre os
judeus e passam a se reunir em pequenas estruturas de comunidades.
É notória a mudança
extraordinária desses discípulos imediatamente após serem atingidos por essas “línguas
fumegantes do Espirito”. Homens medrosos e receosos passam a proclamar a
palavra à multidão que ali estava. Sem essa dimensão divina, abrir aquelas
portas significava correr risco de morte semelhante à de seu mestre, que dirá
então dirigir a palavra àquela multidão de judeus e estranhos? Seria suicídio
coletivo. Como se não bastasse Pedro não somente lhes dirigiu a palavra, mas em
seu discurso lhes falou da ressurreição daquele que eles haviam matado a pouco
mais de um mês.
É pertinente pensar em
pentecostes neste contexto, sobretudo nesse tempo solene em que comemoramos
cinquenta anos após o encerramento do Concílio Vaticano II, esse que foi sem
dúvidas o maior e mais importante evento da era moderna. Para bem celebrar essa
festa do jubileu, o então Papa Bento XVI proclamou o ano da fé e convidou toda
a Igreja a estudar o CVII concedendo até mesmo premiação de indulgencias a quem
o fizesse. Acredito que o papa com a sua lucidez filosófica sabia do que esse
convite significava. Estudar o Concílio Vaticano II, numa era de tanta
facilidade de acesso a conteúdos e de tantas ferramentas de buscas
informatizadas significava cutucar o vespeiro de fervorosas abelhas. Sabendo
disso Ratzinger implica sobretudo aos jovens a não terem medo de estudar o
Catecismo da Igreja Católica, que nada mais é que um compendio das principais
resoluções teológicas e pastorais do CVII.
Gosto muito de ler o CVII através
do olhar de Ratzinger, que foi o teólogo mais importante e influente desse evento,
sendo um dos auditores durante e depois como Papa Bento XVI, foi o maior
interprete e divulgador do seu verdadeiro espirito. Se pentecoste é o oposto da
confusão de Babel, Vaticano II é a materialização de pentecostes. É claro que não
quero me atrever a denunciar que antes do CVII reinava a confusão de Babel, mas
não podemos negar que por esse sínodo, o Espirito torna inteligíveis as
“línguas estranhas” no seio da Igreja. Do ponto de vista linguístico o fenômeno
da “filocalia” ocorrida em pentecostes fora de extrema necessidade para a
difusão da embrionária religião cristã, além de estabelecer a harmonia entre os
envolvidos naquela problemática.
O Cristo havia ressuscitado e
essa informação deveria sair da pequena cidade de Jerusalém para ganhar o mundo,
e o primeiro muro capaz de impedir essa investida seria o idioma. Se não há
comunicação, jaz a confusão. Se não fora pentecostes, a novidade da
ressurreição estaria vedada a um pequeno grupo que com pouco tempo minguaria
podendo chegar à extinção e esquecimento. Sem contar na brilhante estratégia de
marketing. Estavam ali os Medos, Alamitas, os Capadócios, os Cretenses e
Árabes, se a mensagem chegasse inteligível a eles, e esses voltassem entusiasmados
para suas comunidades, com maior facilidade ganhariam o mundo conhecido na
época.
Qual seria o caminho da Igreja
hoje na hipótese de não ter havido o CVII? A Igreja guardava um precioso
tesouro imensurável que devido o seu fechamento ao longo da história, essa
preciosidade era acessível apenas há um pequeno grupo que se dedicasse um pouco
mais a mergulhar nos estudos da teologia. A brisa refrescante do Espirito
adentra as portas da Igreja não para trazer “novidade”, e sim uma renovação, em
seu mais nobre significado dar uma característica nova ao que já existe. Ao
contrario do que contestam alguns sem-gramática intelectualmente, renovar não é
criar novidade, renovação subentende-se que algo já exista, mas por algum
motivo se torna ofuscado e num dado momento ganha um rejuvenescimento.
Foi o que ocorreu a partir de 62, não é por
menos que o CVII não tratou de condenar nada e não fora um concílio dogmático,
mas um concílio pastoral. Muito temos ainda que mergulhar em sua compreensão e
na riqueza de seu conteúdo, não desfrutamos nem o mínimo do que propusera os
padres conciliares. Depois de cinquenta anos podemos já colher alguns frutos,
porem nunca podemos perder de vista que é só o começo. Como o fenômeno de
pentecostes, o Concílio Vaticano II ainda tem muito a nos dizer.
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