"Um dos maiores santos da
História, odiado virulentamente pelos maus, foi entretanto muito amado por sua
luta intrépida em defesa da Fé."
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“O século IV, a idade de ouro da
literatura cristã, nos oferece em seus umbrais a figura gigantesca de Atanásio
de Alexandria, o homem cujo gênio contribuiu para o engrandecimento da Igreja
muito mais que a benevolência imperial de Constantino. Seu nome está
indissoluvelmente unido ao triunfo do Símbolo de Nicéia”1, que ainda hoje
rezamos. “Há nome mais ilustre que o de
Santo Atanásio entre os seguidores da Palavra da verdade, que Jesus trouxe à
terra? Não é este nome símbolo do valor indomável na defesa do depósito
sagrado, da firmeza do herói face às mais terríveis provas da ciência, do
gênio, da eloqüência, de tudo o que pode representar o ideal de santidade de um
Pastor unido à doutrina do intérprete das coisas divinas? Atanásio viveu para o
Filho de Deus; Sua causa foi a de Atanásio. Quem estava com Atanásio, estava
com o Verbo eterno, e quem maldizia o Verbo eterno maldizia Atanásio”2, comenta
Dom Guéranger, o admirável autor eclesiástico do século XIX. É esse grande Santo que
comemoramos no dia 2 deste mês (Maio)
Arianismo:
heresia devastadora
Deus nosso Senhor permitiu que
houvesse várias heresias logo no início da Igreja. Com isso, ao refutá-las, os
doutores foram explicitando a verdade católica a partir da Revelação e
estabelecendo assim os fundamentos básicos sobre os quais se firmasse a
verdadeira doutrina. Uma das heresias que mais dano
causou à Igreja, a partir do século III, foi o arianismo, devido ao apoio que
encontrou da parte de muitos bispos e imperadores. Na segunda metade do século III,
Melécio, Bispo de Lycopolis, rompeu com São Pedro de Alexandria, provocando um
cisma que dividiu o patriarcado de Alexandria. Melécio caiu em cisma (ou seja,
provocou uma divisão) por ter discordado da indulgência do Santo ao receber de
volta à Igreja cristãos arrependidos que, por fraqueza, haviam oferecido
incenso aos ídolos para evitar a morte. Ario, homem intrigante,
habilidoso, persuasivo, vindo da Líbia, juntou-se aos cismáticos. Elevado ao
sacerdócio pelo primeiro sucessor de São Pedro de Alexandria, ambicioso e
buscando preeminência, Ario começou a pregar uma nova doutrina, que negava a
divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Santo Alexandre, novo Patriarca de
Alexandria, condenou-a como herética.
Atanásio:
sustentáculo anti-ariano
“Jamais, talvez, nenhum chefe de
heresia possuiu em mais alto grau que Ario as qualidades próprias para esse
maldito e funesto papel. Instruído nas letras e na filosofia dos gregos, dotado
de uma rara fineza de dialética e de linguagem, ele conseguia dar ao erro o
aspecto e o atrativo da verdade. Seu exterior ajudava a sedução. Seu orgulho se
disfarçava sob uma simples vestimenta, sob um olhar modesto, recolhido,
mortificado, que lhe dava um falso ar de santidade, e ao qual ele sabia aliar
um trato gracioso e um tom doce e insinuante”3. Isso lhe abriu a porta dos
grandes e poderosos do mundo. Eusébio de Cesaréia lhe concedeu asilo e o
protegeu. Eusébio de Nicomédia tornou-se seu mais forte defensor. Por isso sua
heresia estendeu-se séculos afora, provocando grande mal à Igreja. O crescimento e o tumulto da nova
heresia preocupou o Imperador Constantino, que enviou o mais venerado Prelado
da época, Ósio de Córdoba, a Alexandria, para tentar fazer cessar a “epidemia”.
Este, estando com Santo Atanásio, reconheceu logo sua ortodoxia; bem como a
má-fé e erro de Ario. Por isso, aconselhou o Imperador a convocar um concílio
em Nicéia, para condenar a nova heresia. Neste foi composto o famoso Credo
de Nicéia, que alguns heresiarcas assinaram constrangidos, e outros,
recusando-se a fazê-lo, foram exilados. Foi ali, na grande assembléia,
que um pequeno grande homem, secretário de Santo Alexandre, se fez notar pelo
fogo de suas palavras, eloqüência e amor à ortodoxia católica. Era ele
Atanásio.
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Moldador dos
acontecimentos
“Atanásio era uma dessas raras
personalidades que deriva incomparavelmente mais de seus próprios dons naturais
de intelecto do que do fortuito da descendência ou dos que o rodeiam. Sua
carreira quase personifica uma crise na história da Cristandade, e pode-se
dizer dele que mais deu forma aos acontecimentos em que tomou parte do que foi
moldado por eles”4. A esta descrição psicológica devemos acrescentar sua fé
profunda e inabalável, a serviço da qual colocou suas qualidades naturais. De estatura abaixo da média (pelo
que foi objeto de debique por parte do apóstata Juliano), segundo seus
biógrafos, era de compleição magra, mas forte e enérgico. Tinha uma
inteligência aguda, rápida intuição, era bondoso, acolhedor, afável, agradável
na conversação, mas alerta e afiado no debate. A História não guardou o nome de
seus pais. Pela alta formação intelectual que ele demonstra ainda jovem,
julga-se que pertencia à classe mais elevada.
Jovem
Patriarca de Alexandria
Ainda adolescente, foi notado e
apreciado por Santo Alexandre, que o tomou sob sua proteção e, com o tempo, o
fez seu secretário. No Concílio de Nicéia ainda não havia recebido a ordenação.
Mas, cinco meses depois, Santo Alexandre, ao falecer, designou-o como seu
sucessor na Sé de Alexandria. Atanásio tinha apenas trinta anos de idade. Triste herança recebeu o jovem
bispo. Durante seus primeiros anos de episcopado, os melecianos e arianos
juntaram-se para tumultuar o povo e lançar o espírito de revolta, de que se
alimentam as heresias. Pois o arianismo, se bem que tivesse um suposto
fundamento religioso, era mais um partido político de agitadores, como muitos
movimentos da esquerda católica de hoje em dia. Não havia calúnia, difamação e
ardil que os arianos não inventassem contra Atanásio, para minar sua
autoridade. O Imperador Constantino, perdendo
sua mãe Santa Helena, ficou sob a influência de sua irmã Constância,
conquistada pela heresia. A pedido dela, fez voltar do exílio os hereges
exilados em Nicéia, enquanto perseguia os católicos ortodoxos.
A astúcia
dos santos
Apenas retornado do exílio,
Eusébio de Nicomédia convoca um concílio em Cesaréia, sede do outro Eusébio
ariano, para condenar Santo Atanásio. Este é intimado a comparecer em Tiro — para
onde o concílio havia sido transferido — a fim de responder às acusações
assacadas contra ele. Fizeram entrar uma mulher de
cabelos desgrenhados que, com altos gritos, acusou o Santo de ter dela abusado.
Um dos padres de Atanásio, percebendo o jogo, levantou-se e foi até a
impostora, exclamando:“Como! Então é a mim que imputas esse crime?!”.
Ela, que não conhecia Atanásio, replicou: “Sim, é a ti. Eu bem te
reconheço”. Houve uma gargalhada geral, e a miserável fugiu cheia de
confusão. Mas isso não desarmou os
impostores. Mostrando uma mão ressequida, afirmaram pertencer a um tal Arsênio,
que havia tempos desaparecera, e certamente fora esquartejado por Atanásio para
efeitos de magia. Atanásio faz entrar na sala o próprio Arsênio, que descobrira
na solidão do deserto. Mostrando-o, disse aos acusadores: “Vejam Arsênio,
com suas duas mãos. Como o Criador só nos deu duas, que meus adversários
expliquem de onde tiraram essa terceira”. Os hereges, confundidos,
provocaram verdadeiro tumulto e suspenderam a sessão.
Exílio
causado por amor à ortodoxia
Com calúnias e outros artifícios,
os hereges, que gozavam do prestígio do poder imperial, conseguiram que o Santo
fosse exilado cinco vezes. O primeiro exílio, em Treveris,
durou cinco anos e meio, terminando em 337 quando, com a morte de Constantino,
seu filho do mesmo nome chamou Atanásio para ocupar novamente sua Sé. No ano
anterior, Ario, sentindo-se mal quando era levado em triunfo pelos seus
partidários, teve que retirar-se a um lugar escuso, onde morreu com as
entranhas nas mãos. Entretanto, morto o heresiarca,
não morreu a heresia, que em 340 conseguiu impor um bispo herege em Alexandria,
tendo Atanásio que fugir para o exílio em Roma. Foi bem acolhido pelo Papa, que
condenou o intruso. Atanásio passou três anos em
Roma, onde introduziu os monges do Oriente. Publicou na Cidade Eterna grandes
obras contra os hereges arianos. Em 343 foi exilado para a Gália. A década de 346 a 356 foi o
período de ouro para Atanásio na Sé de Alexandria. Pôde dedicar-se inteiramente
ao ministério episcopal, instruindo o clero e o povo, dedicando-se aos
necessitados e favorecendo a vida monástica. Sobretudo fortaleceu na fé os
católicos fiéis. Em um novo concílio, em Milão, em
356, os arianos obtiveram que Santo Atanásio fosse mais uma vez exilado. Ele
retirou-se então para o deserto do alto Egito, levando uma vida de anacoreta
durante os seis anos seguintes, vivendo com os monges e dedicando-se a seus
escritos.
Perseguição
inclemente ao Santo
Com a subida de Juliano, o
Apóstata, ao trono imperial, Atanásio pôde voltar, em 362, a Alexandria. Mas,
pouco depois, ciumento do prestígio do Santo, o ímpio imperador mandou exilá-lo
de novo. Não foi por muito tempo, pois Juliano faleceu no ano seguinte, depois
de ter tentado restaurar no Império o paganismo. O novo imperador, Joviano,
anulou o exílio de Atanásio, que voltou mais uma vez a Alexandria. Favorecido com a boa vontade do
novo Imperador, o patriarca pensava desta vez poder dedicar-se inteiramente às
suas ovelhas. Joviano, entretanto, faleceu no ano seguinte, e Atanásio foi mais
uma vez exilado. Conta-se que teve de refugiar-se durante quatro meses no
túmulo de seu pai. O povo de Alexandria não podia
passar sem seu zeloso pastor. Recorreu nessa ocasião a Valente, irmão do
Imperador ariano Valentiniano, e obteve que Atanásio pudesse voltar em paz à
sua igreja. Assim, depois de uma vida tão
tumultuada e de tantos perigos, Santo Atanásio, como ressalta o Breviário
Romano, “morreu em paz em seu leito”, no dia 18 de janeiro de 373. Havia
governado, com intervalos, durante 46 anos, a igreja (diocese) de Alexandria.
O grande
iluminador
“`No caráter de Atanásio —
disse Bossuet — tudo é grande’. Toda sua vida é a revelação de uma
energia prodigiosa, que só encontramos em épocas decisivas. Indiscutivelmente,
sua grandeza como homem o coloca na primeira linha dos caracteres mais
admiráveis que produziu o gênero humano. Como escritor e Doutor, pôde ser
chamado o grande iluminador, e coluna fundamental da Igreja”5.
Fonte: Revista Catolicismo
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